Doença de Paget dos Ossos: o que é, e como tratar?

Escrito Por: Dr. Reynaldo Jesus-Garcia Filho
Publicado dia: 21/06/2020
Atualizada em: 27/06/2020

Doença de Paget dos Ossos: o que é, e como tratar?

Em 1877, Sir James Paget, médico do Hospital St. Bartholomew, em Londres, descreveu uma doença óssea chamada osteíte deformante, que corresponde a um distúrbio da remodelação óssea. Nos Estados Unidos, estudos de autópsia mostram uma prevalência de 3% na população acima dos 40 anos e de 10% na população acima dos 90. A doença é mais comum na América do Norte, Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia e Alemanha. É rara na Escandinávia, na Ásia e nos países tropicais onde parece haver maior incidência em pacientes com ancestrais europeus. Em 15 a 25% dos casos, documenta-se maior incidência familiar. Clinicamente, um grande número de pacientes é assintomático. Vários estudos sugerem diminuição tanto da incidência quanto da gravidade da doença de Paget desde sua descrição em 1877.

Etiologia

A doença de Paget é uma alteração do processo de remodelação do esqueleto, que parece ser iniciada por um aumento na reabsorção óssea mediada pelos osteoclastos. O osso comprometido apresenta taxa de remodelação maior do que o requerido pelas forças mecânicas aplicadas ao osso.

A etiologia da Doença de Paget continua até hoje mal esclarecida. Há um significativo componente genético, pois até 40% dos pacientes apresentam antecedentes familiares, sugerindo um padrão de herança autossômico dominante.2,3   Nos subtipos familiares esporádicos, 20 a 40% dos pacientes apresentam mutação do gene SQSTM1. Nesses pacientes, parece haver manifestações mais precoces e de maior gravidade. (Al-Rashid, Ramkumar et al. 2015)

Outros estudos associam a Doença de Paget ao sistema HLA (Human Leukocyte Antigen), mas os dados ainda são inconclusivos. Recentemente, surgiram evidências que um gene do cromossomo 18 poderia ser o responsável pela suscetibilidade ao Paget em algumas famílias acometidas pela doença.6

Discute-se também a relação da Doença de Paget com uma infecção viral, em razão da presença de inclusões nucleares e citoplasmáticas que se assemelham a cápsulas virais, exclusivamente nos osteoclastos dos locais afetados.4 Em 1996, Reddy e cols detectaram RNA viral em células da medula hematopoiética precursoras de osteoclastos e numa variedade de células sanguíneas periféricas de pacientes pagéticos, reforçando as primeiras hipóteses sobre a etiologia da Doença de Paget, que postulavam uma infecção viral em um indivíduo geneticamente suscetível e contradizendo a ideia de que a doença é um processo localizado.5

Anatomia Patológica

Fundamentalmente a doença de Paget é caracterizada por uma remodelação acelerada do osso. A alteração na taxa de remodelação do esqueleto leva a modificações arquiteturais caracterizadas por áreas de reabsorção óssea excessiva ao lado de áreas com formação de osso lamelar desorganizado e grosseiro, com espessamento de trabéculas, que é frequentemente mais vascular que o osso normal. Linhas de cimentação azuis são características. A medula óssea é substituída por tecido conetivo fibrovascular fino e a atividade osteoblástica e osteoclástica é mais intensa. Há aumento do volume do osso.

O número de osteoclastos está muito aumentado nos sítios ósseos acometidos, revelando a intensa atividade reabsortiva. A reabsorção óssea predomina nas fases iniciais da doença, tanto em ossos longos como no crânio. Após essa fase, em razão do processo de acoplamento entre formação e reabsorção, observa-se intenso recrutamento de osteoblastos e neoformação óssea. Com a evolução do processo, a hipercelularidade pode diminuir e o osso tornar-se esclerótico.

Pode-se, portanto, dividir a doença em três fases distintas:

  1. Fase inicial: atividade basicamente de absorção óssea.
  2. Fase de atividade: fase de maior atividade da doença, quando há destruição osteoclástica e formação osteoblástica (que são as duas fases de remodelação) na mesma área do osso.
  3. Fase de inatividade: caracterizada por um osso com padrão de mosaico e pouca atividade celular.

Nas amostras de biópsia, as três fases da doença podem ser encontradas em uma mesma área. Pode-se também evidenciar ainda múltiplas lacunas de reabsorção óssea. Há desorganização das fibras de colágeno.

Embora a remodelação do osso comprometido pela doença de Paget não seja normal, o processo de mineralização acontece normalmente. Essa desorganização da matriz ocasiona maior chance de fratura. A consolidação das fraturas ocorre em um tempo mais longo que o normal, e o processo de remodelação nunca restaura a força do local de fratura às condições anatômicas normais.

Laboratório Clínico

A alteração da atividade osteoclástica com evidente aumento da reabsorção óssea pode ser detectada pelo aumento na excreção urinária da hidroxiprolina. Há um aumento compensatório na taxa de osso neoformado, o que é algumas vezes refletido por um aumento na taxa sanguínea de fosfatase alcalina.

Parâmetros Bioquímicos

O aumento da atividade osteoblástica é refletido nos níveis elevados da fosfatase alcalina (FA) total sérica ou de sua isoenzima óssea. O grau de elevação desses marcadores pode indicar a extensão da doença (monostótica ou poliostótica, envolvimento ou não do crânio) ou a severidade do acometimento ósseo. Valores de FA 10 vezes acima do normal sugerem comprometimento do crânio ou doença poliostótica extensa, enquanto valores inferiores a 3 vezes o limite superior podem indicar comprometimento monostótico ou a forma esclerótica da doença.

Os marcadores de reabsorção óssea, que são fragmentos do colágeno tipo I liberados em circulação, estão aumentados. A dosagem dos N-telopeptídeos séricos ou urinários (NTX ou CTX) apresenta maior sensibilidade para avaliar a atividade da doença, além de não ter variações com a dieta. Esses índices, tanto a fosfatase alcalina (FA) como NTX ou CTX, podem ser usados no acompanhamento pós- tratamento com bisfosfonatos, e a remissão da doença se acompanha de normalização dos marcadores.

O cálcio sérico é normal na Doença de Paget, mas pode elevar-se em duas condições: se o paciente com doença ativa e extensa for imobilizado ou se houver a concomitância de um hiperparatiroidismo primário.

Diagnóstico por Imagem

Durante a fase inicial da doença, com predominância de atividade dos osteoclastos, as alterações osteolíticas são mais frequentes. O aspecto radiográfico característico na maioria dos casos, quando a doença é diagnosticada, é o de esclerose óssea com aumento do volume do osso. A demarcação em relação ao osso não envolvido é evidente. Nas vértebras, há frequente envolvimento do corpo vertebral que se apresenta totalmente esclerótico, produzindo uma “vértebra em marfim”.

Vértebra comprometida por Doença de Paget. Aspecto em moldura

Ressonância Magnética, onde se evidencia o maior volume da vértebra.

Nas fases de maior atividade, a doença de Paget pode apresentar-se como lesão totalmente osteolítica e, dessa maneira, pode sugerir uma neoplasia.

O diagnóstico diferencial inclui o carcinoma metastático, principalmente em pacientes tratados e que recebem pamidronatos ou zolendronatos.

O mapeamento (cintilografia com tecnécio) do esqueleto é exame importante por mostrar a atividade osteoblástica aumentada e costuma ser muito sugestivo de doença de Paget.

Características Clínicas

A doença de Paget se inicia na meia idade, assintomática na maioria das vezes, e progride com o passar dos anos. O comprometimento pode ser monostótico ou poliostótico. Os locais de comprometimento mais frequente são coluna lombar e torácica, pelve, crânio, clavícula e escápula. Somente um ou dois ossos são acometidos comumente.

Dependendo da localização, extensão e atividade metabólica, o envolvimento ósseo pode não causar sintomas. Os pacientes podem queixar-se de dor constante, leve, mais noturna, referida ao osso, ou uma sensação de aumento de temperatura local. Algumas vezes, pode haver deformidade óssea, como aumento do volume do crânio e arqueamento dos ossos.

Na face e no crânio, o comprometimento dos ossos com aumento em volume, leva muitas vezes à compressão dos pares cranianos com paresias ou paralisias, levando à surdez, alterações de visão e outras alterações sensoriais, dependendo do nervo comprometido. O quadro de diminuição da acuidade auditiva, é muitas vezes, o primeiro sinal e sintoma da doença de Paget.

Há maior suscetibilidade para as fraturas patológicas, algumas vezes produzindo disfunções articulares sintomáticas (especialmente no joelho ou no quadril). A deformidade e o aumento de volume dos ossos podem acarretar compressão de estruturas nervosas adjacentes, como, por exemplo, os pares cranianos, causando diminuição da acuidade auditiva, ou raízes nervosas à nível da coluna vertebral, causando toracolombalgias e dor ciática.

A sequela mais importante e de maior gravidade nos pacientes com longo tempo de doença é a transformação maligna para uma forma de osteossarcoma refratário ao tratamento. A chance de transformação maligna é de aproximadamente 1%. Devido à idade geralmente avançada desses pacientes, a quimioterapia nem sempre é possível. A taxa de sobrevida na publicação de Mankin and Hornicek em 2005 é de 14% em 2,5 anos.

Tratamento

Em nossa instituição, acreditamos que o tratamento da doença de Paget deve se limitar aos pacientes sintomáticos até o alívio dos sintomas e a normalização dos parâmetros bioquímicos, visto que, não há, até o momento, estudos bem controlados de longo prazo que mostrem medicamentos que possam prevenir a progressão da doença. Atualmente, o tratamento baseia-se na inibição empírica da atividade do osteoclasto. Lembramos que a eficácia e os benefícios do tratamento profilático de longo prazo, ainda não encontram suporte científico. (Langston, Campbell et al. 2010), (Merlotti, Gennari et al. 2009).

No entanto, para os pacientes sintomáticos, utilizamos duas classes de medicamentos com o objetivo de diminuir a atividade osteoclástica: a calcitonina e os bisfosfonatos (análogo sintético inorgânico do pirofosfato, que se liga à hidroxiapatita do osso). A atividade dos novos bisfosfonatos é análoga à do pirofosfato biológico na ligação com a hidroxiapatita e na supressão da reabsorção óssea, mediada pelos osteoclastos.

Há diferentes modalidades de bisfosfonatos, cada um deles com vantagens e desvantagens. A administração intravenosa no caso do ácido zolendrônico evita o uso diário ou semanal dos comprimidos por via oral. No entanto, os sintomas de “dor óssea” generalizada por 24. 48 horas ocorrem em 10 a 15% dos pacientes. Alguns bisfosfonatos por via oral exigem o jejum após sua ingestão e podem causar dispepsia, esofagite ou diarreia. Lembramos ainda que o uso prolongado dos bisfosfonados pode ocasionar uveítes, alterações cutâneas, insuficiência renal, osteonecrose de mandíbula e fratura subtrocantérica por estresse. (Ralston, Langston et al. 2008)

A calcitonina foi utilizada a partir de 1970 devido a sua propriedade em reduzir a reabsorção óssea. A principal via de administração é subcutânea. Geralmente os pacientes apresentam um aumento da dor óssea, após duas a três semanas do início da utilização e um decréscimo da atividade da doença após 3 a 6 meses de tratamento. Nessa fase há diminuição dos níveis de fosfatase alcalina. No entanto, sua capacidade antirreabsortiva é menor do que a dos bisfosfonatos e seu uso fica restrito aos pacientes que apresentam muitos efeitos colaterais com o uso dos bisfosfonatos.

As principais indicações de tratamento farmacológico para tal doença são:

  • dor óssea rebelde ao tratamento com anti-inflamatórios não hormonais;
  • preparação para cirurgia ortopédica necessária para alívio dos sintomas ou correção de deformidades e tratamento de fraturas iminentes;
  • tentativa de tratamento dos sintomas da compressão de raízes nervosas, devido à estenose de canal vertebral ou dos trajetos dos nervos do crânio;
  • tentativa de prevenção de fraturas ou de deformidades esqueléticas em pacientes jovens com lesões osteolíticas rapidamente progressivas.

O tratamento cirúrgico, quando necessário, visa à correção de deformidades importantes por meio de osteotomias de adição ou subtração, e osteossíntese intra ou extramedular.

O tratamento conservador de fraturas em ossos comprometidos por doença de Paget apresenta alto índice de pseudartroses, mas pode ser uma das melhores opções de tratamento em alguns casos. (Parvizi, Frankle et al. 2003, Parvizi, Klein et al. 2006)

Os desafios da cirurgia se devem à baixa qualidade do osso, que se apresenta fragilizado, altamente vascularizado, com chance de grande sangramento no intra-operatório, com consequente comprometimento da estabilidade da reconstrução cirúrgica. Pode ainda haver fibrose intramedular, estreitamento do canal medular e dificuldade na introdução de hastes. Junto às articulações, devido à deformidade óssea, pode haver maior incidência de osteoartrose.

As osteotomias para correções da anatomia do osso devem ser indicadas quando há grande risco de fratura com a progressão da deformidade. Muitas vezes a osteotomia deve ser multiplanar ou múltiplas. Sempre que possível, as osteotomias devem ser realizadas nas regiões metafisárias dos ossos.

Próteses podem apresentar soltura precoce devido à cimentação precária por causa da qualidade do osso. São procedimentos que devem ser evitados. No entanto, levando-se em consideração os riscos, as artroplastias de quadril e joelho podem ser realizadas. O cirurgião deve estar preparado para maior sangramento, osso mais endurecido, deformidades ósseas, maior risco de infecção e maior chance de soltura precoce.(Lee, Sanchez-Sotelo et al. 2005, Lusty, Walter et al. 2007)

O comprometimento da coluna pode ocorrer com aumento do volume do corpo vertebral ou do arco neural. Ambos processos podem levar ao estreitamento do canal medular ou dos foramens de conjugação. Os sintomas são o de estenose do canal vertebral ou de radiculopatias. A cirurgia para liberação das estruturas nervosas pode ser necessária.

Prognóstico

O prognóstico dos pacientes com doença de Paget, em nosso meio, é muito excelente. A maior parte dos pacientes necessita o uso de medicamentos por apenas alguns meses, com normalização dos níveis bioquímicos, desaparecimento dos sintomas e estabilização da progressão da doença. Raramente as intervenções cirúrgicas são necessárias. Quando há fraturas ou progressão das deformidades, que obrigam o tratamento cirúrgico, os resultados são satisfatórios, com consolidação das osteotomias realizadas ou das fraturas. As artroplastias devem ser evitadas, mas se necessárias, devem ser feitas com preparo pré-operatório, cuidado intra-operatório e seguimento de longo prazo.

Em nossa prática clínica, não temos no momento nenhum paciente em seguimento de longo prazo necessitando do uso de medicamentos profiláticos. Consideramos a doença de Paget, como uma doença auto controlável em sua história natural.

Metástases no osso

Fratura Patológica – Tratamento Cirúrgico Profilático

Fratura Patológica – Tratamento Cirúrgico Profilático

Diferenças de resultados da cirurgia  profilática das fraturas patológicas iminentes em ossos longos versus o tratamento somente após as fraturas completas A doença óssea metastática no osso pode levar à dor, incapacidade e risco de desenvolvimento de uma fratura patológica, que está associada a uma deterioração na qualidade de vida e possivelmente um prognóstico pior […]

+ Ler Mais
Crio Ablação para o tratamento de Metástases Ósseas de Câncer de Rim

Crio Ablação para o tratamento de Metástases Ósseas de Câncer de Rim

As metástases ósseas do Câncer de Rim são osteolíticas e comprometem os ossos longos e os ossos da pelve. No casos em que a cirurgia não está indicada, a Crio-Ablação tem se mostrado eficaz.

+ Ler Mais